Ganhar muito dinheiro, ter vários bens ou viver com excessivo luxo justifica atuar com desrespeito aos concorrentes e à sociedade? O que se deseja levar ao fim desta curta vida terrena: a riqueza patrimonial ou os resultados da vivência com justiça e ética?
Nesta semana recebi mensagem de uma professora da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) que leciona a disciplina de “Ética Contábil” e solicita o meu comentário acerca deste assunto, ou seja, como o profissional da contabilidade pode vencer as barreiras e ser ético.
Em seu livro Fundamentos de Ética Empresarial e Econômica (2001), Maria Cecilia Coutinho de Arruda escreve que “o termo ética, proveniente do vocábulo grego ethos, significa costume, maneira habitual de agir, índole. [...] Ética pode ser entendida como a ciência voltada para o estudo filosófico da ação e conduta humana”. Em outras palavras, “é a parte da filosofia que estuda a moralidade do agir humano, quer dizer, considera os atos humanos enquanto são bons ou maus.”
Ganhar dinheiro é necessário, mas não o mais importante. Acumular cada vez mais é sinônimo de felicidade? Uma pesquisa feita com 1,7 milhão de pessoas em 164 países afirma que “dinheiro e felicidade andam juntos até certo ponto [...]. Depois de garantidas as necessidades mais importantes, mais dinheiro no bolso não atrai mais felicidade”. Leia mais sobre esta pesquisa no link https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/revista/2018/02/20/interna_revista_correio,660993/dinheiro-pode-trazer-felicidade-mas-so-ate-certo-ponto.shtml.
As normas definidas devem ser respeitadas, o que naturalmente deixará a pessoa mais feliz por ter feito uma ação ou um serviço em acordo com as diretrizes aprovadas. No entanto, quando há normas das quais discordamos, devemos nos manifestar. Escrever ao conselho, sindicatos, participar de eventos e, quando possível, da diretoria das entidades são atitudes capazes de propor mudanças nas normas que talvez não atendam aos princípios éticos. Oxigenar a liderança dos grupos é essencial para haver justiça e democracia.
Sabemos que no passado a contabilidade era uma ferramenta utilizada pelos comerciantes para controlar seus negócios, seu patrimônio. Luca Paciolli (1447/1517), considerado o “Pai da Contabilidade”, foi o primeiro a publicar um livro sobre as partidas dobras, mas a contabilidade já era praticada há muito mais tempo. A partir do século XX os governos perceberam a contabilidade como um instrumento para aumentar a arrecadação de tributos, que passou a ser obrigatória e é cada vez mais normatizada. Isso é ruim? Sobre alguns aspectos pode ser considerado desastroso, especialmente para aqueles empresários que desejam sonegar tributos, mas há inúmeros benefícios que a classe pode comemorar: mais oferta de trabalho devido ao volume de exigências; igualdade na concorrência, pois ficou mais difícil sonegar tributos; sem falar que os empresários, forçadamente, passam a conhecer a contabilidade e podem abrir o olho para adotá-la como instrumento de tomada de decisões na gestão dos negócios.
Aos empresários que não reconhecem na contabilidade os inúmeros benefícios para o seu negócio, ela é compreendida como um custo desnecessário, mas obrigatório. Estes, lamentavelmente, contratarão o contador mais barato que faz o suficiente, algumas vezes nem isso, para atender ao fisco. Neste caso não há espaço para o profissional que deseja oferecer qualidade e velocidade nas informações.
Assim como em qualquer atividade há diversos níveis de profissionais. Comprar um automóvel, uma casa, passagem aérea, vinho, refeição etc., há preços e qualidade para todas as exigências, portanto cada fornecedor decide qual o público-alvo. Aqueles que atuam com respeito às regras, com muito trabalho, dedicação e respeito ao cliente, sociedade e colegas sentirão o sabor da felicidade de ser ético.
Não pense que trocar de atividade facilitará a venda, pois em todas há conflitos para conquistar e manter os clientes. Sempre há quem oferte o mesmo serviço ou produto por preços menores. Se o ponto forte do seu negócio não é o preço, ou seja, o preço é mais alto que o da concorrência, então, primeiramente reveja os custos e o lucro. Se estiverem adequados haverá outros motivos que justificam preço, e isto precisa ser informado aos clientes. Explique-os as razões do seu preço ser maior. Os benefícios ofertados e bem apresentados farão com que empresários desejosos desses diferenciais optem por estes serviços.
O aviltamento de honorários contábeis ou o tabelamento, temas amplamente debatidos no final do século XX, já não ocupa o mesmo espaço nas conferências. O tabelamento, tentativas em muitas atividades, inclusive nas indústrias gráficas, não funciona pelo simples motivo de não ser respeitado pelos próprios fornecedores. Já o aviltamento nem sempre tem compreensão adequada, pois os custos de uma empresa podem ser muito diferentes da outra, então aquela que tem custos menores – pode ser pelo fato de ter desenvolvido ferramentas que agilizam a execução das tarefas – ofertará serviços por preços mais baixos. Sempre gosto de lembrar da linha de produção desenvolvida por Henry Ford (1863/1947), que permitiu expressivas redução de preço e melhoria do produto ofertado com boa lucratividade, fato que encolerizou os concorrentes.
Em relação às multas abusivas, pergunta da professora da UFMS, entendo que se trata de miopia dos agentes do governo, pois eles pensam que penalizam os contribuintes, mas na maioria das vezes tais prejuízos são assumidos pelo contador, diversas vezes chamado de “parceiro” pelo governo. No entanto existe a apólice de seguro de responsabilidade civil, ferramenta que protege o contador destes danos, com custo razoável.
Talvez o profissional aético consiga ganhar mais dinheiro em determinadas situações, porém é provável que não seja tão feliz quanto o ético, que também pode conquistar sucesso com o trabalho e dinheiro justos.
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